“Me ame de novo” estava escrito no lençol bordado e estendido no varal do Evoé Café, ontem à noite (9/6), durante o lançamento do livro Vermelho, de Dairan Lima. A instalação de Marlan Cotrim integra o circuito de intervenções Love Me Again, que será realizado pelo Coletivo e/ou, durante o mês de junho, nas ruas de Goiânia.
Na companhia dos fotógrafos Alejandro Zenha e Betty Mae’Agi, o artista agora levará a instalação para o centro da cidade, em busca de diálogos, narrativas e construção de poéticas. Ele também convida o público a receber a obra no varal de suas casas.
“Refletindo sobre essa saudade que temos de ser amados novamente por alguém em um determinado lugar, de um jeito singular, tive a visão desse lençol bordado em vermelho”, conta Marlan Cotrim. O bordado é uma linguagem que vem sendo apropriada pelo artista, nos últimos anos, no entanto, quem acompanha o desenvolvimento de seu trabalho vai perceber novidades na aproximação do desenho contemporâneo.
Na entrevista concedida ao site Nega Lilu, ele detalha a concepção de Love Me Again:
Nega Lilu: Inicialmente, as pessoas conheceram o seu trabalho de desenho com bordado no papel. O que pode ser uma surpresa para quem associa agulha e linha ao tecido, necessariamente.
Marlan Cotrim: Verdade. E foi exatamente assim que ocorreu a conexão do meu trabalho com projetos literário.
Nega Lilu: E agora você parece fazer o caminho de volta, escolheu um tecido para suporte de seu novo trabalho.
Marlan Cotrim: Realmente, estou desenhando no tecido agora. Mas um lençol não é qualquer tecido, não é mesmo? Existe ali muitos signos agregados. Porque um lençol sempre fará referência à cama, ao aconchego, ao cheiro e a todos os momentos vividos nele. E a simbologia está também associada ao ato de bordar, algo construído aos poucos, de forma caseira e manual. E assim eu falo do passar do tempo. São horas e horas costurando lembranças e escrevendo uma nova mensagem.
Nega Lilu: Por que escolheu a cor vermelha para Love me Again?
Marlan Cotrim: É a dor, o amor, o sangue, a saudade. Isso tudo desbotando diante dos nossos olhos, no varal. Estentida sob o sol intenso do Brasil Central, a obra fala de um tempo necessário para que essa ferida se cure, que o sangue seque e para que amar de novo seja leve, como um lençol balançado pelo vento num quintal. No filme Abril Despedaçado (2001), do diretor Walter Salles, um ciclo me chamou a atenção. No nordeste brasileiro, quando alguém da familia é morto, a roupa suja de sangue é colocada ao sol na espera de que o sangue fique “amarelado” e esse é um tempo entre o luto da familia e a preparação para que haja a vingança. Para romper com esse ciclo de dor, em Love Me Again, o sangue de um coração ferido não será colocado no sol como sinônimo de preparação para vingança, e sim como uma mensagem de restituição. “Love Me Again” está lá para dizer que, mesmo depois de sangrar, eu escolho entregar meu lençol ao amor, em sinal de coragem. Como quem diz: “estou curado e já posso amar novamente”. Sem a intenção de ferir, mas sim de se entregar.
Nega Lilu: Sem dúvida uma mensagem que vai fazer sentido para quem vive relações afetivas próprias do nosso tempo. É com maior frequência que as pessoas têm falado sobre o medo de amar. É em busca desta comunicação que você escolheu levar a obra para a rua?
Marlan Cotrim: Pensei de cara em intervenção urbana para ocupar a cidade e instigar as pessoas a refletirem sobre a Cidade como um espaço que é como uma grande casa, um lugar de encontro e desencontro. Tem também o desejo de levar as pessoas a relembrarem de um amor e convidá-las a se entregar novamente, seja pra mesma pessoa, seja pra vida ou para si mesmas.
Nega Lilu: E como vocês pensam os desdobramentos do trabalho?
Marlan Cotrim: Os fotógrafos Alejandro Zenha e Betty Mae’Agi vão fazer o registro fotográfico das intervenções. O Coletivo e/ou vai cuidar para a difusão deste registro. Além de instalar os varais na cidade, também convido àquelas pessoas para quem este trabalho fizer sentido a levarem o lençol para suas casas, por um tempo, e deixá-lo estendido em seus próprios varais. Estes depoimentos também vão integrar a obra.
Nega Lilu: E pra fechar, por favor, fale um pouco sobre o Coletivo e/ou.
Marlan Cotrim: O grupo foi fundado pela escritora Larissa Mundim, em 2014, e trabalha artes visuais e literatura, nas intervenções urbanas que realiza, em todo o Brasil. Divido a concepção do circuito desta minha nova obra com ela. Love Me Again é a minha primeira colaboração para o Coletivo e/ou e já temos outras ideias, até mais antigas, que ainda serão executadas. O grupo se interessa pela comunicação por meio de suportes e mídias que possam ser surpreendentes para o cidadão comum, usuário da cidade, transmitindo uma mensagem que tenha potencial para provocar transformações.